segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Mário Barradas, o homem que só gostava de Teatro

Quando eu, o Bébé, o João Sousa Dias e o Inácio Carvalho nos apresentámos na secretaria da Companhia de Comando e Serviços do Quartel de Abrantes, o Sargento olhou para nós e sorrindo foi dizendo "São de Évora... conhecem o Mário Barradas, aquele doido que só gosta de teatro parece que está por lá.".
Nos jantares com o Sargento, sargento-mor para ser mais preciso, lá vinha à baila o seu amigo Mário Barradas, os elogios sucediam-se e a conversa terminava sempre "ele gosta é de teatro".
Podia dizer que foi ele que me fez gostar de teatro, mas não, se o fizesse estaria eu a fazer teatro. Com efeito foi a minha mãe, as histórias do teatro na minha terra que me fizeram gostar dessa arte, foi a televisão que me deu a ver as grandes peças e os grandes actores e foi o Mestre Finezas do Manuel da Fonseca que me fez entender a grandeza dos actores.
Quando falei pela primeira vez com o Mário Barradas, isto depois de o ter visto dezenas de vezes no Teatro Garcia de Resende a representar, foi como se de repente todos os actores que povoavam o meu imaginário, todas as histórias que a minha mão me contava do teatro da nossa terra, como se o Mestre Finezas que morria sempre no final das peças, no contro de Manuel da Fonseca, estivesse ali à minha frente, sentado na esplanada da Praça do Giraldo.
Ele permitia que eu falasse, ouvia-me, olhava-me com aquele olhar de pessoa inteligente, parecia que adivinhava o que eu ia dizer a seguir, fazia-me sentir como um actor que vai dizendo as palavras de uma peça que ele já conhecia.
Não foram muitas as vezes que falei com ele, mas sei que foram sempre numa esplana da Praça do Giraldo. A mesa ia ficando vazia até que ficaávamos só nós dois a conversar, nunca falámos de teatro, nunca lhe falei do sargento-mor que tinha sido seu amigo há muitos anos atrás, nunca lhe falei da minha admiração por ele como gostava de o ver representar, como gostava das peças que encenava, como me sentia orgulhoso de estar com ele.
Muitas vezes me perguntei se o Cendrev seria capaz de sobreviver sem ele, muitas vezes me perguntei se aqueles actores do Centro Cultural de Évora e depois do Cendrev, se os alunos da Escola de Teatro teriam sido actores se ele não existisse. É que todos eles representavam à Mário Barradas, isto é bem, e principalmente sendo capaz de transmitir a emoção e a grandeza dos grandes actores.
Hoje sei que o Teatro em Évora, a descentralização do teatro profissional em Portugal que ele iniciou, não precisa dele para continuar, o homem que só gostava de teatro foi capaz de fazer teatro e teatros, de ensinar aos actores que o teatro não é de ninguém, nem dos dramaturgos, nem dos empresários, nem dos encenadores, nem dos actores nem de todos os que trabalham para que depois das pancadas de Moliére o pano suba o silêncio caia sobre a sala e o teatro comece.
O doido que só gostava de teatro ensinou a todos, mesmo àqueles que como eu o conheciam do palco e da meia dúzia de vezes na esplanada da Praça do Giraldo que o teatro sobrevive a todos, o espectáculo tem de continuar, porque há palmas para bater, há bravos para gritar, há um público generoso que guarda para sempre na sua memória, aqueles que um dia lje provocaram uma lágrima, um sorriso, uma gargalhada.
Tal como acontecia ao rapaz do conto do Manuel da Fonseca, hoje sinto uma grande tristeza porque o Mário Barradas morreu no final do último acto. Mas, amanhã quando me sentar na esplanada da Praça do Giraldo, quando todos se forem embora, eu não ficarei sozinho, à minha frente a escutar-me vai estar o Mário... o Mário Barradas.
Mário Simões

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